Como a IA está redefinindo o Venture Capital

O escopo de trabalho de um investidor de tecnologia é, basicamente, conversar. Com fundadores lançando novos produtos, com empreendedores do portfólio em busca de suporte, com outros investidores (GP's) trocando percepções, e com LP's acompanhando o desempenho do fundo.

Com o tempo, essas conversas formam um radar poderoso: é possível identificar tendências, timing, dinâmicas de mercado e padrões de rodadas. Por muito tempo, essa engrenagem funcionou de forma relativamente previsível — até que a Inteligência Artificial está mudando tudo.

Segundo Audrey Lee escreveu no GVCdium, a Inteligência Artificial está “replatforming” o próprio venture capital — não apenas mudando em quais startups o dinheiro será investido, mas como esse trabalho de investir é feito. Ela descreve uma transformação estrutural: fluxos de trabalho automatizados substituem analistas e associados, decisões são aceleradas por modelos, e o capital se concentra em menos rodadas e em menos mãos.

A IA está desmontando a antiga lógica de rede, intuição e aprendizado por repetição que moldou o setor por décadas, criando um novo modelo de venture — mais rápido, mais enxuto e cada vez mais dependente de dados e algoritmos. Claro que essa tendência é mais clara no late-stage VC. No super early stage, o humano ainda será uma vantagem por bastante tempo.

A revolução da eficiência

A IA vem assumindo cada vez mais funções humanas em várias áreas das empresas: coding, marketing, analyticsyou name it. Isso reduziu drasticamente o tamanho dos times e o custo operacional das startups. A receita por funcionário disparou, e como consequência, as empresas precisam de muito menos capital para crescer e alcançar break-even ou até lucratividade.

Hoje, vemos startups atingindo ARR relevante com times enxutos e em tempo recorde. Essa nova era de eficiência deu origem ao termo “Seed-Strapping” — empresas que levantam uma única rodada e utilizam o capital com tamanha disciplina que conseguem escalar até o lucro sem precisar de novas captações.

Vale lembrar que a maior parte do dinheiro das rodadas iniciais costuma ir para formação de equipe — e, além disso, cada nova rodada consome energia e foco dos fundadores, que precisam deixar o produto e a operação de lado para fazer roadshows e engajar investidores. É uma estrada dura, mesmo para os mais experientes e bem conectados.

O impacto dessa nova realidade

Imagine dois cofundadores que, após o Seed, ainda detêm 80% da empresa e vendem por US$ 40 milhões — cada um sairia com US$ 16 milhões. Para ter o mesmo retorno após várias rodadas até uma Série C, quando juntos teriam apenas 10% de participação, a empresa precisaria ser vendida por mais de US$ 320 milhões (quase R$ 1 bilhão!). E não vemos muitas aquisições desse porte no Brasil.

Além da diluição, há o ESOP (Employee Stock Option Plan), que inevitavelmente reduz ainda mais a fatia dos fundadores — e a jornada longa carrega muito mais risco. Mercados mudam, concorrentes aparecem, sócios brigam (muito comum) e o capital pode secar. No Brasil, somam-se a isso a instabilidade regulatória, a burocracia e a volatilidade macroeconômica. Poucas startups chegam à Série C por aqui — buscar um unicórnio é tentador, mas a probabilidade de capturar esse valor diminui drasticamente com o tempo.

Implicações para o Ecossistema de Venture Capital

De certa forma, essa mudança reforça a tese central da Verve Capital: ser o primeiro cheque das startups de tecnologia, com foco absoluto em Pre-Seed no Brasil, independente do setor.

Se o Seed se consolida como a única rodada, todos — inclusive os grandes fundos — tentarão entrar cada vez mais cedo. Isso aumenta a competição e pressiona valuations. Hoje vemos startups captando Pre-Seed a valuations iguais (ou até superiores) aos de 2020/2021.

O problema é que esse movimento distorce o equilíbrio do ecossistema. Fundos com centenas de milhões sob gestão precisam de exits gigantescos para gerar retorno expressivo, enquanto startups que fazem M&A’s entre US$ 20M e US$ 100M podem representar um DPI excelente para um fundo pequeno, mas irrelevante para um fundo grande.

Além de inflacionar valuations, há a questão do papel de cada fundo em cada estágio. No início, o capital é importante — mas o que realmente faz diferença é o suporte estratégico: go-to-market, intros, canais de distribuição, recrutamento, estrutura financeira, revisão de deck, suporte jurídico, entre outros. Fundos grandes, com estruturas pesadas, raramente conseguem dedicar esse nível de atenção a empresas que ainda são, basicamente, projetos em construção.

Existe uma “escada” natural entre rodadas — A, B, C — e, na nossa visão, o mesmo vale para os investidores. Fundos menores e mais focados entregam mais valor no começo e perdem relevância conforme as empresas amadurecem. Outro ponto que diferencia bastante os grandes dos pequenos é o alinhamento de interesses. Gestores de microfundos, como a Verve Capital, têm um alinhamento total de risco e retorno com seus LP's: com pouco AUM e praticamente nenhuma receita de management fee, só ganham no carry — e apenas depois de devolver todo o capital investido, corrigido, em um futuro incerto de prazo.

Conclusão

O seed-strapping não é apenas um fenômeno de eficiência — é uma mudança estrutural no Venture Capital. Ele redefine o papel do capital, o ritmo de crescimento das startups e o equilíbrio entre fundos pequenos e grandes.

MARCELO FRANCO - GENERAL PARTNER @VERVE CAPITAL